Que estranho.
Estranho mesmo.
É, seu rosto não existe mais.
A morte de alguém vem com isso, não existir mais aquele rosto; aquele abraço; aquela risada; aquele cheiro.
Toda a minha vida eu fui muito apegada com cheiros. Pra mim, cada pessoa que eu amo tem um cheiro diferente, algumas de perfumes e cheiros artificiais e outras de cheiros naturais.
Me recordo de ir ao otorrino uma vez e ele, sem eu comentar nada, falou que eu tenho algo no nariz (ele usou um termo médico) que faz com que eu sinta mais os cheiros.
Lembro do cheiro peculiar que ela tinha na boca. Conversávamos horas e horas sobre todos os tipos de assuntos. Ela não tinha bafo, mas um cheiro bem característico na boca. Ela não conseguia respirar pelo nariz e vivia respirando pela boca, acho que isso ressecava sua mucosa e dava esse cheiro característico.
Cheiro dela.
Cheiro de Carol.
Mais uma vez eu acho estranho.
Estranho olhar para o passado e me dar conta de que não sabemos absolutamente nada do futuro.
Olho as fotos, uma criança segurando um bebê.
Você me segura(va).
Como imaginar que aquela criança que me segurava passaria por tamanha dor e partiria tão cedo?
Me lembro perfeitamente: eu estava no trabalho, terminando meu horário de almoço. Eu caminhava pelo corredor da empresa enquanto minha mãe me dizia no telefone: é câncer.
Medo.
O que eu falo pra ela? Como agir?
O câncer chegou na porta dela. Bateu, quebrou em vários pedaços.
Ela colou, remendou e passou fita.
Por VÁRIAS vezes eu sofri a perda dela enquanto ela ainda estava em vida. Uma amiga muito especial, que já conhecia o luto me disse: Ela não está morrendo. Ela está vivendo. Todos os dias que ela está aqui, ela está vivendo.
Verdade.
Mas, como dizer isso para o próprio desespero?
Percebi.
Percebi que somente 2 pessoas nesse mundo estavam comigo quando respirei pela primeira vez e que continuavam comigo a vida toda.
Ela era uma dessas pessoas.
Em uma das idas ao hospital, me despedi. Ela estava ali deitadinha, em coma. Já não havia luz em seu semblante, mas mesmo assim ela voltou.
Eu estava na casa dela, pela varanda vi o carro estacionando e ela saindo com seu marido, que gentilmente a colocou na cadeira de rodas.
Ela estava cansada, mas extremamente feliz.
Quando entrou em casa, eu estava lá, na cozinha. Ela me abraçou, o abraço mais gostoso que ela já me deu.
Nossa, que abraço apertado.
Que abraço de alivio.
“Que bom que você está aqui, eu te amo”
Um tempo se passou e,
Perdeu a voz, perdeu a lucidez e por fim, o sopro vital.
Não existe mais.
Não existe aquele cheiro.
Mas,
Quando me concentro consigo sentir, puxar daqui de dentro, da lembrança.
É presente de Deus.
Ainda não voltei na casa dela.
Tento imaginar como vou me sentir, em pé ali naquela mesma varanda, naquela mesma cozinha.


